sábado, 20 de março de 2010

AS CRÔNICAS E O HUMOR

SOBRE O HUMOR

Humor:
1. líquido secretado pelo corpo e que era tido como determinante das condições físicas e mentais do indivíduo [Na Antiguidade Clássica contavam-se quatro humores: sangue, bile amarela, fleuma ou pituíta e bile negra ou atrabílis].
4. Derivação: por extensão de sentido: estado de espírito ou de ânimo; disposição, temperamento.
5. Derivação: por extensão de sentido: comicidade em geral; graça, jocosidade.
6. Expressão irônica e engenhosamente elaborada da realidade; espírito.
7. Derivação: por metonímia: faculdade de perceber ou expressar tal comicidade.

Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

  • Para o pensamento antigo, conforme a teoria dos humores, atribuída a Hipócrates (séc.V a.C.), havia quatro líquidos ou humores no corpo humano (sangue, bílis negra, bílis amarela e fleuma), relacionados aos quatro órgãos secretórios (coração, baço, fígado e cérebro) e aos quatro elementos cósmicos (ar, terra, fogo e água). O predomínio de um desses humores determinaria o temperamento de cada ser humano: sanguíneo, melancólico, colérico e fleumático.
  • No séc. XVIII, a palavra humor começou a ser utilizada na Inglaterra com o sentido geral que lhe atribuímos atualmente, opondo-se a wit – deliberado, cerebral, que não envolve emoções. Alguns críticos da literatura consideram que foi o humor inglês que deu densidade literária ao humor (a exemplo de Jonathan Swift, Henry Fielding, Laurence Sterne e James Boswell).
  • Hoje, no contexto literário, o humor é tomado como a capacidade de exprimir as excentricidades de determinada ação/situação sujeitas a provocar o riso. Entretanto, embora afirme ou denuncie aquilo que é potencialmente risível, o humor não é forçosamente alegre.
Fonte: Catarina de CASTRO. In: Carlos CEIA (Org.). Dicionário de Termos Literários
- Podemos considerar o Modernismo como responsável, no âmbito teórico, pela neutralização da carga negativa que, desde A Poética de Aristóteles, recaía sobre o humor.


- Na literatura, a opção pelo humor aparece como uma forma de expor certos aspectos da vida, seja porque são engraçados, contraditórios, inusitados, ou mesmo porque a forma de abordagem humorística ameniza temas mais dramáticos ou trágicos.

- Embora não haja uma forma preestabelecida para se conseguir o efeito do humor, alguns recursos de linguagem têm se mostrado eficientes: ironia; hipérbole; metáforas; metonímias etc.

- Para chegar a definições sobre o humor, os teóricos referem-se à utilização de certos recursos – como a sátira, a alegoria e a caricatura – criadores do efeito cômico.

- Cômico é “o que provoca o riso, ou a possibilidade de provocá-lo, através da resolução imprevista de uma tensão ou de um conflito” (ABBAGNANO. Dicionário de Filosofia, 2000, p. 153-154).

Alguns autores atribuem duas funções ao cômico: uma função moralística – “denunciar vícios, comportamentos reprováveis, desvios de ordem que o sistema social estabelece como valor inquestionável e, de tal forma, preparar explícita ou implicitamente sua repressão ou correção” – e uma função repressiva tradicional – “obrigar à inadequação, por estupidez ou loucura, a compartilhar dos pressupostos e das coordenadas mentais do grupo” (D´ANGELI; Paduano. O Cômico, 2007, p.9-10).

Outros autores consideram um viés ideológico no cômico: “provavelmente todas as piadas veiculam, além do sentido mais apreensível, uma ideologia, isto é, um discurso de mais difícil acesso ao leitor (POSSENTI. Os humores da língua, 2002, p.38).

As chamadas crônicas de humor nem sempre podem ser classificadas simplesmente pelo aspeto cômico. Há, em boa parte dessa produção, outros elementos como a crítica social/política, a melancolia, constatações sobre os dramas do cotidiano etc. Isso acaba configurando o humor mais como uma opção de tratamento do que como uma temática.




HUMOR - DEFINIÇÕES DO INDEFINÍVEL

- Nada mais humorístico do que o próprio humor, quando pretende definir-se (Friedrich Hebbel).
- Definir o humor é como pretender pregar a asa de uma borboleta usando como alfinete um poste de telégrafo (Enrique Jardiel Poncela).
- Humor é a maneira imprevisível, certa e filosófica de ver as coisas (Monteiro Lobato).
- O humorismo é o inverso da ironia (Bergson).
- O humorismo é o único momento sério e sobretudo sincero da nossa quotidiana mentira (G. D. Leoni).
- O humor é o açucar da vida. Mas quanta sacarina na praça! (Trilussa).
- O humor é o único meio de não sermos tomados a sério, mesmo quando dizemos coisas sérias: que é o ideal do escritor (M. Bontempelli).
- O humor compreende também o mau humor. O mau humor é que não compreende nada (Millôr Fernandes).
- O espírito ri das coisas. O humor ri com elas (Carlyle).
- A fonte secreta do humor não é a alegria, mas a mágoa, a aflição, o sofrimento. Não há humor no céu (Mark Twain).
- O humor é uma caricatura da tristeza (Pierre Daninos).
- O humor é a vitória de quem não quer concorrer (Millôr Fernandes).
- A própria essência do humor é a completa, a absoluta ausência do espírito moralizador. Interessa-lhe pouco a pregação doutrinal e a edificação pedagógica. O humor não castiga, não ensina, não edifica, não doutrina (Sud Menucci).
- O humorismo é dom do coração e não do espírito (L. Boerne).
- O humorismo é a arte de virar no avesso, repentinamente, o manto da aparência para por à mostra o forro da verdade (L. Folgore).
- O humor tem não só algo de liberador, análogo nisso ao espirituoso e ao cômico, mas também algo de sublime e elevado (Freud).
- Humorismo é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros. Há duas espécies de humorismo: o trágico e o cômico. O trágico é o que não consegue fazer rir; o cômico é o que é verdadeiramente trágico para se fazer (Leon Eliachar).(*)
- O humorismo é a quintessência da seriedade (Millôr Fernandes).
- O humorista é um forte bom, vencido, mas sobranceiro à derrota (Alcides Maia).
- O humor é a polidez do desespero (Chris Marker).

(*) Definição laureada com o primeiro prêmio ("PALMA DE OURO") na IX Exposição Internacional de Humorismo realizada na Europa — Bordighera, Itália, 1956.

FONTE: BECKER, Idel (Org.). Humor e Humorismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961, p.17. Disponível no site Releituras.

A CRÔNICA DE HUMOR
  • De um modo geral, esse tipo de crônica procura apresentar uma visão cômica de fatos.
  • Aborda quase sempre os costumes mais cotidianos, registrando-os de modo irônico.
  • Pode abordar qualquer tema, desde acontecimentos políticos a notícias esportivas. A estratégia é olhar esses fatos por um viés inusitado.
  • Há, na maioria das vezes, um final mais ou menos inesperado, como ocorre nas piadas.
  • Geralmente são textos mais curtos, não sendo isso, entretanto, uma regra.
Para Jorge de Sá, “a busca do pitoresco permite ao cronista captar o lado engraçado das coisas, fazendo do riso um jeito ameno de examinar determinadas contradições na sociedade (SÁ, 1999, p.23).



CRÔNICAS DE HUMOR

UM PLANO GENIAL
Barão de Itararé

Joaquim Rebolão estava desempregado e lutava com grandes dificuldades para se manter. A sua situação ainda mais se agravava pelo fato de ter que dar assistência a um filho, rapaz inexperiente que também estava no desvio.

Joaquim Rebolão, porém, defendia-se como um autêntico leão da Núbia, neste deserto de homens e idéias.

O seu cérebro, torturado pela miséria, era fértil e brilhante, engendrando planos verdadeiramente geniais, graça; aos quais sempre se saía galhardamente das aperturas diárias com que o destino cruel o torturava.

Naquele dia, o seu grude já estava garantido. Recebera convite para um banquete de cerimônia, em homenagem a um alto figurão que estava necessitando de claque. Mas o nosso herói não estava satisfeito, porque não conseguira um convite para o filho.

À hora marcada, porém, Rebolão, acompanhado do rapaz, dirige-se para o salão, onde se celebraria a cerimônia. Antes de penetrar no recinto, diz a seu filho faminto:

— Fica firme aqui na porta um momento, porque preciso dar um jeito a fim de que tu também tomes parte no festim. Já estavam todos os convidados sentados nos respectivos lugares, na grande mesa em forma de ferradura, quando, ao começar o bródio, Rebolão se levanta e exclama:

— Senhores, em vista da ausência do Sr. Vigário nesta festa, tomo a liberdade de benzer a mesa. Em nome do Padre e do Espírito Santo!

— E o filho? — perguntou-lhe um dos convivas.

— Está na porta — responde prontamente. E, voltando-se para o rapaz, ordena, autoritário e enérgico:

— Entra de uma vez, menino! Não vês que estes senhores te estão chamando?

Fonte: Máximas e Mínimas do Barão de Itararé. Rio de Janeiro: Record, 1985, p.40.

A VELHINHA CONTRABANDISTA
Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto)

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava na fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.

Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:

- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?

A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:

- É areia!

Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.

Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com moamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.

Diz que foi aí que o fiscal se chateou:

- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com quarenta anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.

- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:

- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?

- O senhor promete que não "espáia"? - quis saber a velhinha.

- Juro - respondeu o fiscal.

- É lambreta.

Fonte: Gol de padre. 7.ed. São Paulo: Ática, 2003. (Coleção Para Gostar de Ler, n.23).

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